cartas de Clarice....
Não queira fazer de você uma pessoa perfeita - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse o único meio de viver.
Respeite a Você Mais do que aos Outros
Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer
espécie de vida e continuar a mesma. (...) Nem sei como lhe explicar
minha alma. Mas o que eu queria dizer é que a gente é muito preciosa, e
que é somente até um certo ponto que a gente pode desistir de si própria
e se dar aos outros e às circunstâncias. (...) Pretendia apenas lhe
contar o meu novo carácter, ou falta de carácter. (...) Querida, quase
quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi
toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um
touro castrado se transforma num boi? Assim fiquei eu... em que pese a
dura comparação... Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer
minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em
mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei
também minha força. Espero que você nunca me veja assim resignada,
porque é quase repugnante. (...) Uma amiga, um dia desses, encheu-se de
coragem, como ela disse, e me perguntou: você era muito diferente, não
era? Ela disse que me achava ardente e vibrante, e que quando me
encontrou agora se disse: ou essa calma excessiva é uma atitude ou então
ela mudou tanto que parece quase irreconhecível. Uma outra pessoa disse
que eu me movo com lassidão de mulher de cinquenta anos. (...) o que
pode acontecer com uma pessoa que fez pacto com todos, e que se esqueceu
de que o nó vital de uma pessoa deve ser respeitado. Ouça: respeite a
você mais do que aos outros, respeite suas exigências, respeite mesmo o
que é ruim em você - respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em
você - pelo amor de Deus, não queira fazer de você uma pessoa perfeita -
não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse o único meio de
viver.
Clarice Lispector, in 'Carta a Tânia [irmã de Clarice] (1947)
Clarice Lispector, in 'Carta a Tânia [irmã de Clarice] (1947)
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