augusto dos anjos
ECOS D'ALMA
Oh! madrugada de ilusões, santíssima,
Sombra perdida lá do meu Passado,
Vinde entornar a clâmide puríssima
Da luz que fulge no ideal sagrado!
Longe das tristes noutes tumulares
Quem me dera viver entre quimeras,
Por entre o resplandor das Primaveras
Oh! madrugada azul dos meus sonhares.
Mas quando vibrar a última balada
Da tarde e se calar a passarada
Na bruma sepulcral que o céu embaça
Quem me dera morrer então risonho
Fitando a nebulosa do meu sonho
E a Via-Látea da Ilusão que passa!
Sombra perdida lá do meu Passado,
Vinde entornar a clâmide puríssima
Da luz que fulge no ideal sagrado!
Longe das tristes noutes tumulares
Quem me dera viver entre quimeras,
Por entre o resplandor das Primaveras
Oh! madrugada azul dos meus sonhares.
Mas quando vibrar a última balada
Da tarde e se calar a passarada
Na bruma sepulcral que o céu embaça
Quem me dera morrer então risonho
Fitando a nebulosa do meu sonho
E a Via-Látea da Ilusão que passa!
ETERNA MÁGOA
O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do Mundo; o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!
Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.
Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda
Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!
Da tristeza do Mundo; o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!
Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.
Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda
Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!
Pau d`Arco, 1904
© Augusto dos Anjos
Eu, 1912
Voz: Othon Bastos
Áudio: CD Poesia Falada, Vol. 9
Eu, 1912
Voz: Othon Bastos
Áudio: CD Poesia Falada, Vol. 9
© Augusto dos Anjos
Eu e outras poesias, 1920
Sôfrega, alçando o hirto esporão guerreiro,
Zarpa. A íngreme cordoalha úmida fica...
Lambe-lhe a quilha a espúmea onda impudica
E ébrios tritões, babando, haurem-lhe o cheiro!
Na glauca artéria equórea ou no estaleiro
Ergue a alta mastreação, que o Éter indica,
E estende os braços da madeira rica
Para as populações do mundo inteiro!
Aguarda-a ampla reentrância de angra horrenda,
Pára e, a amarra agarrada à âncora, sonha!
Mágoas, se as tem, subjugue-as ou disfarce-as...
E não haver uma alma que lhe entenda
A angustia transoceânica medonha
No rangido de todas as enxárcias!
Zarpa. A íngreme cordoalha úmida fica...
Lambe-lhe a quilha a espúmea onda impudica
E ébrios tritões, babando, haurem-lhe o cheiro!
Na glauca artéria equórea ou no estaleiro
Ergue a alta mastreação, que o Éter indica,
E estende os braços da madeira rica
Para as populações do mundo inteiro!
Aguarda-a ampla reentrância de angra horrenda,
Pára e, a amarra agarrada à âncora, sonha!
Mágoas, se as tem, subjugue-as ou disfarce-as...
E não haver uma alma que lhe entenda
A angustia transoceânica medonha
No rangido de todas as enxárcias!
© AUGUSTO DOS ANJOS
Eu e outras poesias, 1920
CORAÇÃO FRIO
Frio o sagrado coração da lua,
Teu coração rolou da luz serena!
E eu tinha ido ver a aurora tua
Nos raios d'ouro da celeste arena...
E vi-te triste, desvalida e nua!
E o olhar perdi, ansiando a luz amena
No silêncio notívago da rua...
- Sonâmbulo glacial da estranha pena!
Estavas fria! A neve que a alma corta
Não gele talvez mais, nem mais alquebre
Um coração como a alma que está morta...
E estavas morta, eu vi, eu que te almejo,
Sombra de gelo que me apaga a febre,
- Lua que esfria o sol do meu desejo!
Teu coração rolou da luz serena!
E eu tinha ido ver a aurora tua
Nos raios d'ouro da celeste arena...
E vi-te triste, desvalida e nua!
E o olhar perdi, ansiando a luz amena
No silêncio notívago da rua...
- Sonâmbulo glacial da estranha pena!
Estavas fria! A neve que a alma corta
Não gele talvez mais, nem mais alquebre
Um coração como a alma que está morta...
E estavas morta, eu vi, eu que te almejo,
Sombra de gelo que me apaga a febre,
- Lua que esfria o sol do meu desejo!
© Augusto dos Anjos
Eu e outras poesias, 1920
DOLÊNCIAS
Eu fui cadáver, antes de viver!
Meu corpo, assim como o de Jesus Cristo,
Sofreu o que olhos de homem não têm visto
E olhos de fera não puderam ver!
Acostumei-me, assim, pois, a sofrer
E acostumado a assim sofrer existo...
Existo! - E apesar disto, apesar disto
Inda cadáver hei também de ser!
Quando eu morrer de novo, amigos, quando
Eu, de saudades me despedaçando
De novo, triste e sem cantar, morrer,
Nada se altere em sua marcha infinda
- O tamarindo reverdeça ainda,
A lua continue sempre a nascer!
© Augusto dos Anjos
Eu e outras poesias, 1920
ESTROFES SENTIDAS
Eu sei que o Amor enche o Universo todo
E se prende dos poetas à guitarra
Como o Pólipo que se agarra ao lodo
E a ostra que às rochas eternais se agarra.
O amor reduz-nos a uniformes placas,
Uniformiza todos os anelos
E une organizações fortes e fracas
Nos mesmos laços e nos mesmos elos.
Por muito tempo eu lhe sorvi o aroma,
E, desvairado, sem prever o abismo
Fiz desse amor um ídolo de Roma,
Eleito Deus no altar do fetichismo!
Tudo sacrifiquei para adorá-lo
- Mas hoje, vendo o horror dos meus destroços,
Tenho vontade de estrangulá-lo
E reduzi-lo muitas vezes a ossos!
Todo o ser que no mundo turbilhona
Veja do Amor, à luz das minhas frases,
Uma montanha que se desmorona,
Estremecendo em suas próprias bases.
E em qualquer parte do Universo veja -
Sombrias ruínas de um solar egrégio
E o desmoronamento duma Igreja
Despedaçada pelo sacrilégio.
A Natureza veste extraordinárias
Roupagens de ouro. Além, nas oliveiras,
Aves de várias cores e de várias
Espécies, cantam óperas inteiras.
A compreensão da minha niilidade
Aumenta à proporção que aumenta o dia
E pouco a pouco o encéfalo me invade
Numa clareza de fotografia.
Na área em que estou, ao matinal assomo,
Passa um rebanho de carneiros dóceis...
E o Sol arranca as minhas crenças como
Boucher de Perthes arrancava fósseis.
Observo então a condição tristonha
Da Humanidade, ébria de fumo e de ópio,
Tal qual ela é, e não tal qual a sonha
E a vê o Sábio pelo telescópio.
O Sábio vê em proporções enormes
Aquilo que é composto de pequenas
Partes, construindo corpos quase informes
E aquilo que é uma parcela apenas.
Da observação nos elevados montes
Prefiro, à nitidez real dos aspectos,
Ver mastodontes onde há mastodontes
E insetos ver onde há somente insetos.
A inanidade da Ilusão demonstro
Mas, demonstrando-a, sinto um violento
Rancor da Vida - este maldito monstro
Que no meu próprio estômago alimento!
Nisto a alma o oficio da Paixão entoa
E vai cair, heroicamente, na água
Da misteriosíssima lagoa
Que a língua humana denomina Mágoa!
Dos meus sonhos o exército desfila
E, à frente dele, eu vou cantando a nênia
Do Amor que eu tive e que se fez argila,
Como Tirteu na guerra de Messênia!
Transponho assim toda a sombria escarpa
Sinistro como quem medita um crime...
E quando a Dor me dói, tanjo minha harpa
E a harpa saudosa a minha Dor exprime!
Estes versos de amor que agora findo
Foram sentidos na solidão de uma horta,
À sombra dum verdoengo tamarindo
Que representa a minha infância morta!
E se prende dos poetas à guitarra
Como o Pólipo que se agarra ao lodo
E a ostra que às rochas eternais se agarra.
O amor reduz-nos a uniformes placas,
Uniformiza todos os anelos
E une organizações fortes e fracas
Nos mesmos laços e nos mesmos elos.
Por muito tempo eu lhe sorvi o aroma,
E, desvairado, sem prever o abismo
Fiz desse amor um ídolo de Roma,
Eleito Deus no altar do fetichismo!
Tudo sacrifiquei para adorá-lo
- Mas hoje, vendo o horror dos meus destroços,
Tenho vontade de estrangulá-lo
E reduzi-lo muitas vezes a ossos!
Todo o ser que no mundo turbilhona
Veja do Amor, à luz das minhas frases,
Uma montanha que se desmorona,
Estremecendo em suas próprias bases.
E em qualquer parte do Universo veja -
Sombrias ruínas de um solar egrégio
E o desmoronamento duma Igreja
Despedaçada pelo sacrilégio.
A Natureza veste extraordinárias
Roupagens de ouro. Além, nas oliveiras,
Aves de várias cores e de várias
Espécies, cantam óperas inteiras.
A compreensão da minha niilidade
Aumenta à proporção que aumenta o dia
E pouco a pouco o encéfalo me invade
Numa clareza de fotografia.
Na área em que estou, ao matinal assomo,
Passa um rebanho de carneiros dóceis...
E o Sol arranca as minhas crenças como
Boucher de Perthes arrancava fósseis.
Observo então a condição tristonha
Da Humanidade, ébria de fumo e de ópio,
Tal qual ela é, e não tal qual a sonha
E a vê o Sábio pelo telescópio.
O Sábio vê em proporções enormes
Aquilo que é composto de pequenas
Partes, construindo corpos quase informes
E aquilo que é uma parcela apenas.
Da observação nos elevados montes
Prefiro, à nitidez real dos aspectos,
Ver mastodontes onde há mastodontes
E insetos ver onde há somente insetos.
A inanidade da Ilusão demonstro
Mas, demonstrando-a, sinto um violento
Rancor da Vida - este maldito monstro
Que no meu próprio estômago alimento!
Nisto a alma o oficio da Paixão entoa
E vai cair, heroicamente, na água
Da misteriosíssima lagoa
Que a língua humana denomina Mágoa!
Dos meus sonhos o exército desfila
E, à frente dele, eu vou cantando a nênia
Do Amor que eu tive e que se fez argila,
Como Tirteu na guerra de Messênia!
Transponho assim toda a sombria escarpa
Sinistro como quem medita um crime...
E quando a Dor me dói, tanjo minha harpa
E a harpa saudosa a minha Dor exprime!
Estes versos de amor que agora findo
Foram sentidos na solidão de uma horta,
À sombra dum verdoengo tamarindo
Que representa a minha infância morta!
© Augusto dos Anjos
Eu e outras poesias, 1920
Comentários
Postar um comentário