Edgar Allan Poe e o filme O substituto
Hoje resolvi assistir o filme " O substituto"... Incrível como os conflitos dos profissionais da educação são iguais. O filme retrata a realidades das instituições de ensino. O conflito dos jovens, a família distante de seus filhos, distantes da escola......
No final ele cita trecho do conto de Allan Poe "A Queda da Casa de Usher"
Quantos de vocês já sentiram um peso fazendo pressão para baixo em vocês ?!
Todos vocês ?!
Mais Poe escreveu sobre essas coisas há mais de 100 anos...
Ai enquanto nós lemos podemos ver que a casa de Usher não é somente um castelo velho e decadente em ruínas, é também um estado de espírito... Cena filme O substituto...
O SUBSTITUTO”, um filme para repensar a vida.
Título original: Detachment (2011).
País: EUA.
Diretor: Tony Kaye.
Roteiro: Carl Lund.
Vencedor do prêmio do público na Mostra Internacional de São Paulo
O título original expõe de forma rápida toda a problemática do filme e
dos seus personagens, o que não aparece refletido na tradução ao
português. A palavra inglesa “detachment” pode ser traduzida como
”desapego” ou “distanciamento”, mas também “indiferença”. Isso é o que o
filme retrata, de forma diversa, positiva e negativamente. O
protagonista, um professor que somente faz substituições sem nunca
assumir uma vaga fixa, vive carregando uma história familiar tortuosa
que não acaba de assimilar. Chamado para realizar uma substituição em
uma escola em um estado completo de caos, encontrará professores/as que
não sentem apego nenhum pela sua profissão, estudantes desencantados e
aborrecidos da vida antes mesmo de começá-la, adolescentes à procura de
adultos em quem confiar e com os quais substituir pais negligentes ou
ausentes.
Durante somente três semanas o professor substituto (Henry Barthes)
deverá enfrentar a doença (Alzheimer) e morte do avô, com quem viveu uma
terrível história familiar; a vida de uma adolescente prostituta e
maltratada, que acabará hospedando na sua casa; alunos violentos e sem
perspectiva de futuro, outros com uma carga incrível de sofrimento e
carentes do mais básico; professores/as que ainda tentam fazer o seu
melhor com alunos/as que não estão para nada interessados em estudar,
enquanto outros, carregando histórias pessoais trágicas, afundam na
angústia e na depressão.
O filme começa com uma epígrafe do grande Albert Camus: “E eu nunca me
senti tão imerso e ao mesmo tempo tão desapegado de mim e tão presente
no mundo”. Essa é a situação pessoal do
protagonista. Talvez o único professor, de quantos o filme mostra,
realmente interessado em educar seus alunos e não somente em transmitir
conhecimentos. Um professor que tenta chegar ao centro da tempestade que
os adolescentes vivem, questionando o que a sociedade lhes oferece como
via única para suas vidas, descortinando os dramas que ocultam,
denunciando a manipulação latente que sofrem.
A vida é dura, complexa, confusa. A vida de todas as pessoas, também a
daqueles que tentam construir um futuro melhor, trabalhando para fazer a
diferença. É difícil libertar os outros sendo ainda escravo. É
impossível achar o caminho certo, enfrentar o caos da realidade, passar
por cima de manipulações e humilhações, assumir feridas e ofensas,
estando sozinho. Todos nós precisamos de uma mão amiga, alguém com quem
caminhar, deixando para trás juízos, preconceitos, análises simples e
estereotipadas da vida e das pessoas, alguém que nos aceite como somos e
que saiba descobrir o tesouro existente dentro de nós. Essa deveria ser
a missão de todo educador. Neste mundo tão complexo, todos nós
deveríamos ser educadores e educandos, uns dos outros, para juntos
descobrirmos os sendeiros da felicidade, para não afundar no caos e na
dor.
Junto ao nosso protagonista aparecem outros professores e diretores
escolares, desencantados, decepcionados, frustrados, em algum caso
próximo já da demência. Os próprios problemas pessoais são carregados
dia e noite, sem solução, sem oxigenação, condicionando todas as ações e
decisões. Os problemas dos outros somente acrescentam mais carga de
culpa, de vergonha, de desespero. Sem confiança, sem esperança, sem
horizonte nem rumo, o professor acaba se transformando em vítima da
vida, em objeto de chacota, de humilhação por parte de todos. Não tem
nada para oferecer para os adolescentes porque não tem vida própria,
somente um se arrastar dia após dia pela realidade hostil e violenta.
Neste tempo complexo e difícil somente os indiferentes sobrevivem, mas
isso é vida?
O filme retrata de forma crua a realidade pessoal e social, os
sentimentos mais íntimos de vidas sofridas, relacionamentos
interpessoais insanos, um ambiente escolar dramático, o fracasso de uma
política educativa concebida em escritórios de políticos, famílias que
somente agravam a tragédia na vida dos adolescentes.
O diretor combina de forma genial o filme e o documentário, levando o
espectador a mergulhar nos sentimentos, nas vivências mais profundas dos
personagens, principalmente do protagonista quem, desde seu próprio
drama pessoal, tenta encontrar uma janela por onde fugir desta trágica
barbárie. Não precisa exibir explicitamente os acontecimentos, não quer
transformar o sofrimento em espetáculo. As lembranças, as palavras, as
imagens são mostradas como flashes fotográficos. É bem significativo que
a personagem que representa de forma trágica o caos e sofrimento da
vida seja fotógrafa amadora, usando a fotografia para representar de
forma artística a dor, a angústia, a solidão das pessoas que estão ao
seu redor e de si própria.
Um filme questionador, provocativo, que impacta e nos leva a formular
perguntas como: O que estamos fazendo com as nossas vidas? Até que ponto
vivemos apegados aos nossos dramas? Até que ponto somos indiferentes
diante da dor e sofrimento das outras pessoas? Que tipo de educador
somos? Qual é a nossa missão como educadores neste mundo caótico?
Para terminar, deixo aqui alguns diálogos do protagonista, a maior parte
tirados das cenas que parecem mostrar a gravação de uma espécie de
depoimento, de confissão pessoal.
- “A maioria dos professores aqui, em determinado ponto, acreditava que podia fazer a diferença”.
- “Eu sei como é importante ter um rumo e também ter alguém que possa ajudar a entender as complexidades do mundo em que se vive”.
- “Eu sou uma das poucas pessoas aqui que quer te dar uma oportunidade, agora eu só vou pedir pra você sentar e fazer o seu melhor”.
- “Você já foi usada e descartada tantas vezes que até se acostumou com isso”.
- “Eu perco muito tempo tentando não me envolver, para não me comprometer”.
- “Devia ter um pré-requisito, um currículo para poder ser pai, antes das pessoas tentarem”.
- “Incoerência é acreditar deliberadamente em mentiras sabendo que elas são falsas. Por exemplo: eu preciso ser bonita para ser feliz... ser magra, famosa, estar na moda... Os nossos jovens de hoje são ensinados que as mulheres são prostitutas, vadias, coisas para serem fornicadas, espancadas, envergonhadas. Isto é um holocausto publicitário, vinte e quatro horas por dia, pelo resto de nossas vidas. Os poderes instituídos vivem nos emburrecendo até a morte. Então, para nos defendermos e conseguirmos lutar contra a assimilação dessa burrice em nossos processos mentais, temos que aprender a ler, para estimular a nossa própria imaginação, para cultivar a nossa própria consciência, nossos próprios sistemas de crenças. Todos nós precisamos dessa competência para nos defender, para preservar as nossas mentes”.
- “Todos temos problemas, coisas com as quais temos que lidar, e todos nós levamos eles para casa de noite, e levamos para o trabalho de manhã cedo. Eu acho que tudo isso, essa impotência, essa constatação, esse mal presságio, estar à deriva em um mar sem boia nem salva-vidas, quando você achou que seria você quem jogaria a boia”.
- “Será que você nunca sentiu, nunca quis mandar alguém se ferrar, ir para inferno, porque a coisa está toda ferrada, a coisa está ferrada ou será que você não viu?”.
- “O coração inteligente de uma criança pode desvendar as profundezas do mundo e dos locais sombrios, mas poderá entender o delicado instante de seu próprio distanciamento?”
- “Nós nascemos assim, não há o que fazer, a não ser reconhecer como as coisas são injustas, e só isso não basta, eu não vou aguentar!”
- “Somos todos iguais, todos nós sentimos dor, todos nós temos um caos em nossas vidas. A vida é muito, muito confusa, eu sei, não temos todas as respostas, mas eu sei que se você deixar rolar tudo dará certo”.
- “Eu queria que tudo tivesse sido diferente, eu tentei, entendeu? O negócio é que todos nós temos problemas e os nossos assuntos para cuidar. Alguns dias são melhores que outros, outros já não são tão bons, e tem dias que temos nosso espaço limitado por outras pessoas”.
- “Muitos de nós acreditam que podem fazer a diferença e, quase sempre, nós acordamos e constatamos o fracasso”.
- “Todos precisamos de alguma coisa para nos distrair da complexidade da realidade. Ninguém quer saber de onde tudo isso saiu. Ninguém quer saber da luta que é necessária para poder se tornar homem, para sair do mar de dores do qual todos temos que sair”.
- “Temos essa responsabilidade de guiar os nossos jovens, para que eles não acabem se desmoronando, para que não acabem caindo no esquecimento, se tornando insignificantes”.
- “Estamos fracassando. Fracassamos. Fracasso no sentido de que deixamos todo mundo na mão, incluindo nós mesmos”.
- “Quando se anda pelo corredor ou se está na sala, quantos de vocês já sentiram o peso, fazendo pressão para baixo em vocês? Eu já.”
No final ele cita trecho do conto de Allan Poe "A Queda da Casa de Usher"
Quantos de vocês já sentiram um peso fazendo pressão para baixo em vocês ?!
Todos vocês ?!
Mais Poe escreveu sobre essas coisas há mais de 100 anos...
Ai enquanto nós lemos podemos ver que a casa de Usher não é somente um castelo velho e decadente em ruínas, é também um estado de espírito... Cena filme O substituto...
"Durante todo um dia pesado, escuro e mudo de outono, em que nuvens baixas amontoavam-se opressivamente no céu, eu percorri a cavalo um trecho de campo singularmente triste, e finalmente me encontrei, quando as sombras da noite se avizinhavam, à vista da melancólica Casa de Usher. Não sei como foi – mas, ao primeiro olhar que lancei ao edifício, uma sensação de insuportável angústia invadiu o meu espírito.....................
Allan Poe em a casa de Usher...
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